A Correta Atenção Permite o Surgimento do Correto Discernimento
Colocar-se na condição de observador não é o mesmo que estar à margem do processo; pelo contrário.
A atenção deve levar ao correto discernimento e a ação deliberada.
Tales Elias Lima
Nagarjuna Conqueror of the Serpent,
Um quadro de Nicholas Roerich
Um antigo ensinamento budista compara a mente humana a um macaco embriagado na floresta. O animal salta, despenca de grandes alturas, balança de cá pra lá, arrebenta galhos e causa grande confusão em torno de si, sem ter consciência disso. A comparação é adequada, pois pensamentos alheios a sua vontade agitam a mente do homem que é arrastado de um lado para outro sem que ele esteja no controle. Porém, além da mente que pensa, existe a consciência; estar consciente é estar no controle.
Quando a consciência - por força da vontade - assume o controle, as formações mentais podem ser observadas com maior clareza e assim seu poder de influência sobre o individuo diminui consideravelmente. Essa dissociação entre consciência e a corrente de pensamentos que se agita descontroladamente é fundamental para que possamos perceber a importância da atenção em nossas vidas.
Estar atento é observar a correnteza e não permitir ser arrastado por ela. O desatento é levado pela corrente de pensamentos que se renova constantemente e é rapidamente conduzido a um mundo ilusório que o separa da realidade. Dessa forma, a mente passa a fantasiar situações e a aceitar certas condições que por mais absurdas que possam parecer para o ser atento, foram aceitas como verdades por aquele que se deixou levar pela correnteza.
A atenção permite o surgimento do correto discernimento.
No entanto, a consciência - que é um dos atributos superiores do ser humano - traz consigo a vontade de realizar, criar e contribuir, pois é inerente ao ser espiritual. Nesse caso, se o distanciamento das construções mentais não trouxer consigo a vontade divina da atividade, então a aparente dissociação é só mais um pensamento da mente concreta. Mais um lambari saltitante no grande rio de pensamentos condicionados.
É comum encontrar pessoas que se assentam sobre a condição de observador, para legislar em causa própria de forma que possam viver a filosofia do mínimo esforço sem assumir a responsabilidade diante das contradições de sua própria vida.
Em alguns casos, tal iniciativa, pode funcionar como uma espécie de anestesia moral. No entanto, a anestesia só máscara a doença e não leva de forma alguma a verdadeira cura. Abrir mão da auto-responsabilidade diante do processo de evolução – individual e coletivo – é o que leva muitos indivíduos a abandonarem sua própria consciência, permitindo que outras inteligências tomem o leme do navio que se via desgovernado pela falta de um comandante.
O êxito no processo de libertação da mente condicionada depende de vários fatores; paciência, força de vontade e uma boa dose de disciplina são mais do que necessários, pois o progresso é lento e gradativo. O resultado do esforço contínuo é o aumento progressivo do poder de discernimento.
É importante ressaltar que colocar-se na condição de observador não é o mesmo que estar à margem do processo; pelo contrário. A atenção deve levar ao correto discernimento e a ação deliberada e sob hipótese alguma a letargia de raciocínio que inibe a ação.
Um exemplo claro de associação perigosa que pode conduzir o indivíduo desatento a uma condição obtusa diante da condução de seu próprio destino é somar a questão da observação imparcial com uma interpretação equivocada a respeito do funcionamento da lei do carma e do livre-arbítrio.
Sobre essa questão, podemos analisar o ponto de vista daqueles que se valem do misticismo para justificar condições que a ciência humana até o momento não pode explicar.
Algumas correntes espiritualistas afirmam que Deus, não possui livre-arbítrio, pois que Este, apenas trabalha para que o justo carma da humanidade seja cumprido. Desconsiderando toda a obscuridade e polêmica que existe em torno do significado do termo Deus, este raciocínio parece correto.
A partir dessa conclusão, seria adequado pensar então que o ser humano é o senhor de seu próprio destino, ou carma. Dessa forma, abrir mão da única ferramenta que lhe foi dada – o poder da escolha - para conduzir sua vida é abrir mão da própria condição humana - É construir o próprio carma de maneira inconsciente.
Grandes líderes e reformadores, artistas e educadores, pesquisadores e cientistas, santos e operários anônimos da evolução, não seriam o que foram – e por conseqüência não teriam contribuído para o desenvolvimento da humanidade – se não acreditassem na força de transformação que cada um carrega consigo mesmo.
Sob esse ponto de vista, devemos considerar que uma vaca ou outro animal destituído de razão está mais sujeito ao “acaso”, pois não possui um sistema cérebro espinhal desenvolvido. Dessa forma, o animal não tem capacidade de agir deliberadamente a fim de se libertar de determinada situação que pode culminar com seu cadáver sendo devorado entre amigos em uma tarde ensolarada de domingo.
Mas o homem não é uma vaca.
Aqueles que se diminuem colocando-se numa condição de pequenos e coitados seres humanos, destituídos de qualquer poder para transformar o meio ou a si mesmo, irão inevitavelmente colher o carma gerado por seu caráter obtuso. Ao criarem uma entidade para aliviar o fardo que poderiam carregar por conta própria parecem ignorar o fato de que a esperança da colheita está na semente.
Transformar o homem em uma marionete ou reluzi-lo a condição de instrumento de um joguete do carma ou de um ser superior imaginário serve a determinados propósitos, porém nenhum deles em seu benefício.
Não é o carma a lei da causa e efeito, da justa compensação e da harmonia perfeita? Nesse caso, a idéia de um Deus monoteísta perde qualquer função que justifique sua existência, pois a lei do carma tem em seu princípio todo o poder atribuído a este ser. Essa é a lei que pune a imprudência e recompensa o correto discernimento.
Quando um banhista que não sabe nadar se aventura além do limite de suas possibilidades, pode acabar afogado. Nesse caso deveríamos culpar as correntes oceânicas ou na falta de prudência do banhista, que apesar de todos os avisos dos salva-vidas e da presença de placas que alertavam sobre o perigo que ele estava correndo decidiu arriscar sua sorte?
O carma funciona como o oceano, que é regido por determinadas leis que formam correntezas e movimentam as marés. Essas leis continuam agindo tenhamos nós o conhecimento delas ou não. Dessa forma, ninguém, ou nada, além da nossa própria ignorância, deve ser culpado pelos que colhemos; muito menos o carma.
Um dos primeiros conceitos que o buscador da verdade deve entender é que o carma tende, mas não obriga; do contrário o ser humano não teria razão de ser.
A vontade de avançar deve ser estimulada através do livre pensamento e não corrompida pela burocratização do ensinamento e da crença cega. O ser lúcido é a antítese do crente pois é um instrumento de transformação ativo e consciente.
Como diz o título de um artigo de Filipe Vilicic, publicado na edição de 22 agosto de 2012 da revista Veja, “A crença no sobrenatural é perigosa”.
O artigo de Filipe apresenta uma entrevista com o psicólogo Michael Shermer que se baseia em fatos cientificamente comprovados para explicar o funcionamento do cérebro humano. O senhor Shermer esclarece:
“A evolução fez do cérebro uma espécie de máquina de reconhecimento de padrões na natureza. Às vezes, esses padrões são reais, mas na maioria dos casos são fruto da imaginação. (...) A convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós. Não nos sentimos sós.”[1]
“Se houver um ou vários deuses, ficarei surpreso. Mas não tenho medo. Se
há um Deus, ele me deu um cérebro para pensar. Meu pecado seria usá-lo para
raciocinar e buscar explicações? Um ser benevolente não me puniria por utilizar
bem as armas que me concedeu.” [2]
Ao analisar todas as
barbaridades e selvageria cometidas ao longo da história e que até hoje são
feitas em nome de Deus, é fácil entender porque para alguns o combate ao
misticismo e a crença cega será sempre um bom combate.
Por isso, o buscador da
verdade deve se colocar na condição de eterno estudante. O estudo leva ao
conhecimento de algo novo e aumenta significativamente seu poder de
discernimento. O correto discernimento permite ao estudante adotar uma correta
filosofia de vida e a se esforçar por colocá-la em prática. A soma do correto
discernimento e da atividade correta é a síntese da sabedoria.
O sábio não pode ser subjugado
ou evangelizado, pois reconhece que sua sabedoria foi formada a partir do livre
pensamento e da busca pela verdade. A vida fácil não o atrai porque ele
reconhece sua responsabilidade diante do processo da evolução.
Ao acreditarmos na afirmação que diz que uma árvore deve ser julgada por seus frutos; deveríamos realmente dedicar algum tempo de nossas vidas para refletir e analisar se a árvore que cresce em no nosso quintal está verdadeiramente oferecendo algo que nos alimenta ou apenas sacia um desejo fugaz.
Notas:
[1] O artigo completo pode ser encontrado na internet através no link: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/psicologo-explica-por-que-acreditamos-no-inacreditavel .
[2] Ver nota anterior.
A reprodução desse artigo é livre, uma vez que seja feita na íntegra e que sejam citados o autor e a fonte, www.ocaminhododespertar.blogspot.com.br . Com esta única condição, o uso do material é livre.